Em 1994 - auge dos video-games 16 bits e fichas à lendários 25 centavos - um filme sobre Street Fighter SEMPRE foi muito comentado. Eu lembro-me de estar na escola, cursando a quarta série, e conversando com meus colegas sobre games. Foi quando eu disse:
"Fiquei sabendo que vai sair um filme do Street Fighter! E o mais 'da hora': Vai ter oVan Damme!".
As respostas foram de que era mentira, que não podia ser isso mesmo. "Isto estou cansado e ouvir! Vai sair nada!"
Mas o filme saiu! Ora, vejam só!
E dinheiro pra cinema, eu tinha? MAS NEM FERRANDO! Mal tinha os 25 centavos que eu citei pra matar umas aulas no fliper (mesmo tendo hoje 27 anos, agradeço a Deus por minha mãe não gostar de internet e, por isso, nunca saber do que acabei de escrever...). Portanto o jeito era esperar sair em VHS mesmo.
E quando chegou o dia em que meu pai foi comigo até a lendária vídeo-locadora Shock Vídeo em Itaquera, e conseguimos alugar a fita como lançamento, fiquei extasiado. Naquela noite fomos assistir o filme eu, meus pais e minha irmã. E o que restou após os créditos finais foi a cara dos meus pais de "não acredito que gastei dinheiro com esta merda", minha irmã dormindo... e eu com uma cara de quem planejava não mais devolver o VHS para a locadora nunca mais.
Chega de mortadela e põe presunto nesse pão aí.
______________________________________________
- O filme entra num estilo conhecido como "live-action" (que retrata, normalmente, games ou desenhos animados em um ambiente real e com atores de carne-e-osso). Como já dito, foi lançado em 1994 e foi dirigido por Steven E. de Souza.
O personagem principal e mocinho do filme - ao contrário do que qualquer fã deStreet Fighter da época podia imaginar - era Guile (Jean-Claude Van Damme), aqui como coronel das forças militares da A.N. (Allied Nations - Nações Aliadas) e principal perseguidor do tirano e psicótico general M. Bison (Raúl Juliá), líder da organização criminosa Shadaloo. O filme é ambientado na Ásia em quase sua totalidade - principalmente na Tailândia. O general Bison acabara de seqüestrar dúzias de trabalhadores não-combatentes da A.N., e com isto queria amealhar de resgate a bagatela de 20 bilhões de dólares. Para assegurar que a A.N. faria este pagamento,Bison interrompeu uma transmissão televisiva ao vivo e - em rede mundial - anunciou a exigência do resgate e advertiu-os de que, se em 3 dias esta bizarra quantia não fosse paga, ele mataria todos os reféns e o mundo acabaria por imputar a culpa à ineficiência da própria A.N. e de seu coronel em comando, Willian F. Guile.
No entanto, pouco antes de começar a transmitir seu pronunciamento, Bison ordena à seu subordinado - o gigante russo Zanguief (Andrew Bryniarski) - que trouxesse os três militares da A.N. que haviam sido capturados junto aos trabalhadores. Entre eles estava Carlos Blanka (Robert Mammone), que era também o melhor amigo de Guile.
Os dois primeiros soldadinhos atacam o general, que nada mais faz a não ser quebra-lhes o pescoço em um movimento apenas. Quando chega a vez de de botar Carlos pra subir, Guile (que estava sendo "entrevistado" pela repórter na rede televisiva GNT News, Chun-Li Zhang quando Bison interrompeu a transmissão), fica emputecido com as palavras do general e começa a dizer milhões de impropérios à ele, para logo após mandar uma mensagem à Charlie (apelido carinhoso e cor-de-rosa de Carlos) de que ele iria salvá-lo, custasse o que fosse.
Ao ouvir isto, Bison então repara bem no último almofadinha que ele ainda não havia matado dos três capturados... e, ora, vejam só! Mas que puta coincidência! É oCharlie!!! Pombas mancas, ainda bem que deixei este por último!!!
Vendo que tinha ali uma boa oportunidade de testar seu mais novo "programa de criação de super-soldados", Bison ordena que Charlie seja levado ao laboratório e que começassem a transforma-lo imediatamente.
Enquanto isto no lustre do castelo... Bom, no lustre do castelo duas fadas estão se pegando violentamente numa relação sexual lésbica voraz (ora, já se perguntou o porquê das duas fadas do Castelo Rá-Tim-Bum morarem sozinhas no lustre da sala e terem "varinhas mágicas" tão compridas sempre à mão? E não venha me falar que você não assistia que essa não vai colar). Bom, deixando as fadas de lado, vamos à uma cena numa casa noturna tailandesa onde a coisa parece que vai ficar quente...
O chefe do sindicato "Shadaloo Tong" e fornecedor de armamentos do general M. Bison Victor Sagat (Wes Studi), está fechando um negócio com dois "grandes contrabandistas" de armas - Ryu e Ken (pare de rir e continue lendo).
Pelo menos é o que quem via de longe pensava. Na verdade, Ryu Hoshi (Byron Mann) eKen Masters (Damian Chapa) eram dois golpistas que tentavam naquele momento passar a perna na Shadaloo e vender à eles armas de brinquedo como verdadeiras. Eles tinham tudo planejado... mas Sagat havia sido mais esperto. Quando a negociação estava perto de ser concluída e a dupla de trambiqueiros ia com o fubá, o mafioso já voltava com o bolo pronto e, calmamente entre sorrisos, disse à eles que seus homens já haviam descoberto a localização das tais armas e já estavam com elas em punho logo diante deles. Completamente ownados, Ryu e Ken ouvem muito bem quando Sagat ordena que seus homens abram fogo contra eles utilizando as armas que tentavam vender. Tudo o que vem depois é uma chuva de bolinhas de tênis - munição das armas de araque. Depois de uma rápida briga, e logo rendidos por armas que atiram algo que machuca um pouco mais que esferas felpudas amarelas,Sagat leva Ryu para uma arena de lutas clandestinas, onde teria que lutar contra seu campeão. Ken deveria assistir a luta, pois depois seria ele a entrar na arena para morrer pelas garras do tal campeão. E "garras" é um termo muito acertado, pois o campeão era Vega (Jay Tavare) - o terror do mulherio tailandês (mas é só arrancarem a camisa de Ryu para que as baranguinhas tailandesas mostrem que seu gosto por homens pode descer ainda mais). Quando a luta vai começar... ela NÃO começa! -Guile invade o local, arrebentando a parede e atropelando o ringue com seu singeloAPC. Todo mundo vai pro xilindró.
Neste meio tempo, Charlie está passando pelo "programa" de Bison para se tornar um super-soldado assassino. O "programa" em questão trata-se de enfiar o mameluco numa câmara onde ele fica amarrado à uma cadeira e com vários tubos conectados ao corpo - tubos estes ligados à bolsas de plasma anabólico e DNA mutagênico (que, pelas embalagens, dá até a impressão que dá pra se comprar na UltraFarma e SEMreceita). Enquanto a mistura química vai fazendo a musculatura de Charlie crescer e sua cabeleira parecer com a de Gene Simmons na década de 80, um dispositivo de vídeo parecido com um capacete de realidade virtual transmite diretamente aos olhos do pobre Charlie vídeos de desespero, crueldade, matança e outros terríveis relatos humanos com o objetivo de realizar lavagem cerebral ao soldado e instigar-lhe uma ira assassina - mais ou menos o mesmo efeito que uma retrospectiva de todos os BBB's sem intervalos comerciais causaria a um ser humano com cérebro(veja que eu fiz questão de grifar: COM CÉREBRO). Liderando o projeto, está o renomado cientista que havia feito os primeiros estudos sobre o tal super-soldado e, portanto, havia sido feito refém por Bison para que o vilão pudesse fazer uso de suas pesquisas.
Seu nome é... bem... o nome do grande cientista é... (respira fundo)...
...Dhalsim.
(Chega de rir, nem é tão engraçado assim. Tá bom, eu sei que É sim muito hilário, mas acalme-se. Já? Ok, vá tomar uma água... respira fundo... beleza, bora continuar)
O general Bison incentiva O Dr. (segura o riso!) Dhalsim (Roshan Seth), dizendo-lhe que se tudo der certo com Charlie, ele iria ajudar a propagar os resultados de suas pesquisas. Mas o cientista está muito desgostoso com tudo isto pois, na verdade, ele não queria ver o fruto de seu trabalho sendo utilizado para o mal. Secretamente então, ele planeja fazer algo para impedir Charlie de tornar-se uma máquina de matar. E o faz depois que o guardinha deixado pra vigiar o andamento do projeto fica doidinho na revista HUSTLER que ele está "lendo" e os outros cientistas do projeto saem pra tomar um guaraná. Neste momento ele muda a programação exibida no projetor do soldado, trocando o vídeo pornô da Regina Cazé por um que mostra cenas de paz, esperança e bondade humana - isto no intuito de preservar o máximo de bondade na mente de Charlie.
Paralelo à absolutamente tudo isto, uma equipe de repórteres na GNT News formada por Balrog (Grand L. Bush - na verdade um ex-lutador de boxe que teve a carreira arruinada pela Shadaloo), E. Honda (Peter Tsuiasosopo - um ex-lutador de sumôhavaiano (!) que teve o mesmo destino) e Chun-Li Zhang (Ming-Na Wen - uma grande artista marcial disfarçada que procura uma chance de obter vingança contra Bisonpor este no passado ter mandado matar seu pai - ordem esta que foi dada pelo general enquanto ele fugia covardemente) continuam a meterem-se em tudo quanto é assunto militar que possa-lhes render informações sobre o paradeiro de Bison. Os três, sob o disfarce de repórteres, procuram obter informações sobre o esconderijo super-ultra-hiper-mega secreto da bat-caverna de Bison para, assim, poderem ir atrás do safado e vingarem-se por este ter destruído suas vidas. Neste meio tempo, tentam fazer o possível para jogar areia no mingau da Shadaloo, denunciando membros da "Tong" e frustrando negociações quando as descobrem.
Agora vamos juntar as pontas desta macarronada:
Sagat, Vega, Ken e Ryu são presos na investida de Guile. Este, juntamente com seus principais assistentes Cammy (Kylie Minogue) e T.Hawk (Gregg Rainwater - sim, aqui ele é do exército, e não, isto NÃO é pior que o Dhalsim ser cientista) observam que Ryue Ken podem ser diferentes dos degenerados membros da Shadaloo... que talvez quisessem, por livre e espontânea pressão, ajudar Guile num plano para baixar a guarda de Bison e pega-lo com a mão na cobra;
Bisbilhotando, os três amigos repórteres Balrog, Honda e Chun-li vão acabar envolvendo-se neste plano também;
Bison tem certeza de que será pago, e usará o capital para construir "Bisonópolis" - o novo bastião da "Paz Bisônica" (tá cacete, manera aí ou você vai acabar borrando as calças!), a qual será instaurada por seu vindouro exército de super-soldados invencíveis;
Sagat e seu capanga Vega acham que podem confiar em Ken e Ryu - que misteriosamente tornam-se muito legais com os dois e ajudam o careca caolho e o espanhol indiano a escaparem da prisão de Guile;
Dee Jay (Miguel A. Núñez Jr.), outro dos capangas de Bison - que saiu da Microsoft (não faça cara de espanto, o Dee Jay do game era um tremendo nerd alienado... tá, não era e isto é absurdo dos maiores!) para seguir o general (que paga melhor) - quer encher os bolsos.
Zanguief quer encher a pança. Ele também quer a paz mundial, e acha que o general é quem vai traze-la;
E Dhalsim quer sabotar o plano de Bison de transformar Charlie num lutador de UFC viciado em reality shows.
...e qual será o resultado desta farra caótica??? Bicho, se você ainda não assistiu, baixe da net e faça este favor a sí mesmo. Vai valer a pena, garanto.
"E como pode dizer que vai valer a pena se você mesmo detonou o filme?"
À esta pergunta, eu respondo pedindo que leia a introdução da minha resenha. Eu não quis engambelar o VHS por acaso, te asseguro isto. Muita gente detonou o filme, chamando-o de algo como "inassistível". Mas poucos viram o filme como ele deveria ser visto. Acho que nem o diretor do filme conseguiu isto.
"Street Fighter - A Batalha Final" é um filme de ação caricato. Tem boas cenas de luta, e cenas ainda melhores de humor. E em sua essência, é ingênuo - característica que não se vê mais misturada com ação (se você souber de algum filme assim, por favor mande o nome que eu adoraria assistir). É um filme que, acima de tudo, lembra-me de minha infância, pois tem uma atmosfera saudosa. Filmes hollywoodianos não são feitos mais desta maneira.
Vamos falar agora de termos técnicos.
Do roteiro, quase nada se pode dizer que tenha algo haver com os games lançados até aquela época (e também dos lançados depois, reconheça-se isto). Tiremos alguns fatos pescados do que é ou não é parecido e os coloquemos em lista:
1- Guile é um militar americano;
2 - Cammy é uma militar britânica;
3 - M. Bison tem capa, roupa vermelha e quepe militar, além de seu esconderijo ficar na Tailândia, como sua fase nos games;
3 - Sagat é careca e usa tapa-olho (ok, está ficando mais difícil achar semelhanças), mas é gritantemente menor que nos games;
4 - Vega usa máscara e garra, mas se parece muito mais com um índio cherokee que com um espanhol;
5 - T. Hawk é descendente de índios americanos, mas é um magricela se comparado ao gigante dos games;
6 - Zanguief, E. Honda e Chun-li ainda ficaram bem caracterizados;
7 - Ryu, Ken e Balrog não foram tão afortunados (numa tentativa desesperada de faze-los mais condizentes com suas contra partes in-game, na batalha final do filme enfiam-nos em roupas iguais à dos games e sem uma boa explicação para tal - principalmente no caso de Balrog);
8 - Já sobre Blanka (pegaram o Charlie, amigo de Guile, e misturaram com o monstro verde brasileiro Blanka... e o que estes caras tinham na cabeça quando acharam que esta seria uma boa idéia???), Dhalsim (cacete... cientista?) e Dee Jay ("eu devia ter ficado na Microsoft" quase me causou um infarto aos 13 anos)... bom, pra quê comentar não é mesmo?
9 - Perto do final do filme, vemos Bison tentar eliminar Guile e seus amigos quando estes preparam-se para invadir sua base navegando pelo rio acima em seu barquinho, valendo-se de minas de profundidade para isto. As minas são ativadas por um controle igual ao de fliperama, no qual vemos Bison soltar até um Hadoukken;
10 - Alguns golpes do game são dados pelos personagens. Porém, não direi quais, que é para que você mesmo os veja ao assistir o filme (vá logo assistir essa bagaça!).
Jean-Claude Van Damme e Raúl Juliá (antes que falem mal, eu pesquisei e o nome de Raúl tem mesmo estes acentos agudos. Agora PARE de me chamar de analfabeto!) foram escolhas ousadas por parte do diretor. Nesta época, Van Damme estourava de fazer filmes de ação, não cobrando barato para ser o protagonistas dos mesmos. Tendo feito muitos filmes onde também era um herói americano (apesar de ele mesmo nem ser dos EUA), sua escolha para o mocinho americano Guile foi muito bem acertada. Já o motivo de Raúl Juliá ter sido escolhido para representar o vilão M. Bison nunca foi muito bem explicado, já que ele não era um ícone de filmes de ação ou coisa parecida. Suas cenas de luta pelo filme (que podem ser resumidas por ele ter quebrado o pescoço de dois soldados, tomado um cacete de Chun-Li e de sua luta final com Guile) foram muito simplificadas. Porém Raúl era bem preparado fisicamente e teria desempenhado cenas mais elaboradas de luta, não estivesse ele muito debilitado, uma vez que sua saúde havia decaído muito devido um problema em seu estômago. Este problema, inclusive, transformou "Street Fighter - A Batalha Final" no último filme em que Raúl trabalharia. Ele faleceu não muito tempo depois, vítima de um ataque cardíaco e hemorragia cerebral após uma complicação de sua condição estomacal enquanto internado para tratamento. Há inclusive, antes do início dos créditos, uma homenagem ao seu nome. ("Para Raúl. Vaja con Dios"). Isto só fez o filme tornar-se ainda mais importante para mim, uma vez que eu o adorava como ator desde "A Família Addams". O que Raúl Juliá foi lacônico em termos de ação, esbanjou em dramatização, dando um verdadeiro show como Bison - ele conseguiu transformar o general maligno algo num lunático carismático!
Kylie Minogue também era uma estrela, sendo uma cantora de sucesso internacional. O que pode ter facilitado em sua escolha para o papel de Cammy foi o fato deMinogue ainda ser uma atriz relativamente sem experiência.
Ming-Na Wen era na época uma atriz em início de carreira, não tendo feito ainda o papel na série televisiva americana "ER" ("Plantão Médico" como foi chamada no Brasil) que lhe renderia seu prestígio posterior.
O resto do cast era basicamente composto por atores (poucos "ainda" e muitos "até hoje") desconhecidos.
A veia cômica do filme fica, principalmente, nas cenas com Zanguief. Ingênuo e brutalhão, ele faz comentários hilários em certos momentos. Dica: procure pelo filme o momento em que ele diz "Depressa! Muda de canal!", compare com o contexto e tente não esboçar nem um sorrisinho. Vega, por sua vez, é o monossilábico do filme, tendo dito não mais que duas frases no máximo (frases estas compostas por poucas palavras).
O Capitão Kenya Sawada, um dos subordinados mais fiéis de Guile, foi introduzido em alguns games posteriores, porém sem muito sucesso.
Enfim, é basicamente isto. Assista ao filme (e, se já o fez, faça-o mais uma vez) e veja-o como um "ingênuo e descompromissado filme de ação". Você dará umas boas risadas e irá divertir-se pra caramba - ainda mais se chamar uns amigos pra assistir junto.
E agora, como diria o maléfico General "Eme" Bison (como Chun-li o chama durante a abertura do filme) -
GAME OVER!!!!
== 5 Estrelas ==